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Meu filho é surdo e autista. E agora?

Fundo azul claro. No centro está a ilustração de um menino de cabelos loiros. Atrás deles duas mãos abertas. Em sua volta existem dois balões de fala. Um com uma estrela amarela no canto superior direito e o outro com um coração vermelho no canto inferior esquerdo. Fim da descrição.

“Ter um filho surdo me fez uma pessoa melhor, se não fosse ele eu seria uma mãe comum como qualquer outra, mas isso me fez forte”. 

Maria Ferreira tem 37 anos e é mãe do William de 11, que é surdo e autista diagnosticado. Militante há praticamente 10 anos na causa do autismo e há 4 na causa dos surdos, conta sua história inspiradora com o filho único.

Diagnóstico tardio, estudo da Libras, grupo de mães, projetos que participa, desafios e conquista ao longo dos anos, resumem um pouco da entrevista que fizemos com ela e que você deve conhecer. Afinal, histórias como essa nos fazem ver o mundo de uma forma diferente e refletir no que podemos fazer para torná-lo melhor. Confere aí! 

Hand Talk (HT): Como foi, para você, o período entre o nascimento do William e a descoberta de que ele é autista?

Maria Ferreira (MF): O William nasceu no dia 28 de agosto de 2008 e não apresentava nenhuma condição médica, era uma criança perfeita. Tudo ocorreu de forma normal, como para todas as mães casadas e com sonho de construir sua família. Quando ele tinha quase dois anos, teve a primeira convulsão, e já percebi uma mudança em seu comportamento. Pouco tempo depois ele teve uma segunda convulsão, e a partir dali ele mudou completamente, se tornando uma criança fechada e reclusa. 

Como ele estudava em uma escolinha particular, tínhamos a preocupação com seu desenvolvimento, e foi aí que eles entraram em contato comigo, dizendo que ele não estava acompanhando a turma e que havia mudado. Não queria mais interagir com os coleguinhas e as vezes ficava embaixo da mesa fazendo movimentos repetitivos. Levei ele primeiro na psicóloga, que já identificou traços de autismo, mas me direcionou ao psiquiatra para que o diagnóstico pudesse ser fechado, e ele confirmou. Meu mundo caiu! Fiquei desnorteada, mas não me paralisei e fui atrás para entender como eu poderia ajudá-lo. 

Levei ele à fonoaudióloga, mas ele ainda não conseguia acompanhar a turma. Falava pouca coisa e seu desenvolvimento era bem abaixo das crianças da mesma idade que a dele. Fui até a Associação de Amigos do Autista – AMA, e lá tive o primeiro contato com autistas mais severos. Busquei por tratamento, mas, como o caso era mais leve, se tratado junto com os demais correria o risco de por imitação o quadro dele piorar. Após isso, protocolei uma carta junto a Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo e em menos de um mês conseguimos o tratamento no Centro de Atenção à Saúde Mental – CAISM.

HT: E quando a surdez entrou na história?

MF: Periodicamente ele realizava todos os exames. O BERA e o teste de audiometria sempre apresentavam resultados normais, mas a fono que cuidava dele disse que talvez ele pudesse ser surdo e que o autismo estaria interferindo no diagnóstico. Então realizamos o BERA com ele dormindo e deu normal, mas ao fazer acordado constou uma alteração, sendo 80% de perda auditiva no ouvido esquerdo e 20% no ouvido direito. Surtei mais uma vez! Além do autismo, tinha a surdez agora. Me preocupava muito porque meu filho não tinha uma língua e foi muito difícil porque a Língua Brasileira de Sinais – Libras foi introduzida muito tarde. Coloquei ele na escola onde está hoje e ele evoluiu muito. Em um ano já está fluente na Libras e também faz aula particular de português e matemática. Depois que os diagnósticos foram fechados, foi só ganho atrás de ganho. 

HT: Como é ser mãe de uma criança autista e surda?

MF: O maior desafio foi na primeira infância, pois foi quando tive que abrir mão de muita coisa em prol dele. Todo ganho cognitivo que ele tem hoje é uma vitória, e isso se deve ao trabalho feito lá atrás, largando tudo para me dedicar ao tratamento dele. Quando eu descobri que ele era autista eu fui estudar, foram 2 anos de Teoria Aplicada ao Comportamento. Estudei a metodologia ABA (Applied Behavior Analysis) e também o método TEACCH (Treatment and Education of Autistic and related Communication-handicapped Children) para trabalhar com ele em casa como Terapeuta Ocupacional, dando auxílio aos profissionais do CAISM. 

No Brasil vivemos a cultura da ignorância, as pessoas não entendem, não vão atrás e acham que eles não serão capazes de se superar. O meu filho é um exemplo de superação nessa questão de aprendizagem e de condicionamento mental. 

Foto da Maria com seu filho William. Maria é branca, possui olhos verdes e cabelos castanhos claros. Está usando óculo e sorrindo. William é branco, possui cabelos castanhos curtos e sorri para a foto enquanto faz o sinal de "I Love You em Libras.
Maria Ferreira com o filho William.

HT: O que você descobriu ao passar a ter contato com o universo dos surdos?

MF: Nunca tive contato com surdos até ter o William. Foi algo totalmente novo e é um universo maravilhoso. Eles têm uma comunidade, uma cultura surda e uma vida social muito extensa. Comecei a procurar mais informações e grupos de mães para saber como era viver com a surdez. Tive orientação e quis aprender Libras. Fiz um curso básico e hoje faço aula particular. 

É muito estranho porque é a famosa deficiência invisível. As pessoas ignoram os surdos, deixam eles de lado, mas no meu caso foi diferente. Eu quis aprender a língua dele, porque se eu não conseguisse falar com ele, como ensinaria valores, aconselharia e andaria junto com ele? Eu teria um filho afastado de mim e eu não quero isso. Quanto mais aprendo eu percebo que ele conversa mais. Ele tem orgulho e fala para os coleguinhas que a mãe sabe Libras e os coleguinhas dele gostam de conversar comigo também. 

HT: Quais brincadeiras mais gostam e quais locais visitam juntos?

MF: O William é bem evoluído. Adora jogar FIFA e o Cristiano Ronaldo é o ídolo dele. A gente joga xadrez, lemos histórias juntos e uso o aplicativo da Hand Talk para traduzir algumas frases para ele. Apoio muito o desenvolvimento artístico levando em exposições de artes e teatro. Quero aproximá-lo ao máximo da cultura. É isso que vai ficar de riqueza intelectual! Ele também gosta de desenhar e incentivo muito isso nele.

HT: Conte um pouco sobre sua atuação na comunidade surda. Em quais projetos você está envolvida?

MF: Eu faço parte de um grupo chamado: “Eu… mãe de surdo. Trocamos experiências, desafios e descobertas. Fazemos picnics todos juntos também. Participo de alguns outros projetos. A gente lançou o Programa Jovem Aprendiz do Instituto Santa Terezinha, que oferece treinamentos para formação de Programadores de Sistemas, Suporte Técnico TIC (Tecnologia da Informação e Comunicação) e Práticas Administrativas para pessoas com Deficiência. É uma forma de impulsioná-las ao mercado de trabalho. 

HT: Na sua opinião, qual o papel dos ouvintes na inclusão de surdos?

MF: Todos devem ser envolvidos!  A primeira coisa que eu fiz quando eu descobri, foi ir atrás de conhecimento. A educação é fundamental tanto para a criança como para a mãe. É importante a mãe saber falar a língua do filho para poder educá-lo com dignidade. Existe dentro da própria família uma grande tendência de isolar o surdo, e muitos deles mostram essa carência dos familiares. A Libras deve ser algo que todos tenham contato, para que essas barreiras diminuam. É necessário pensar no futuro dos surdos. Quando nos colocamos no lugar do outro e pensamos no próximo, tornamos a sociedade mais justa e mais humana. 

E aí, curtiu? Esse relato nos mostra a importância de conhecermos o universo do outro, pois quanto mais conhecemos mais evoluímos como pessoas e os preconceitos são quebrados. Ainda há muito o que fazer e a mudança pode começar por você hoje mesmo. 

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